Nos tempos antigos, quando o primeiro tremor da fala veio aos meus lábios, subi
a montanha sagrada e falei com Deus, dizendo: “Mestre, eu sou teu escravo. Tua
vontade oculta é minha lei e eu te obedecerei para sempre”
Mas Deus não respondeu, e como uma poderosa tempestade passou.
E depois de mil anos eu subi a montanha sagrada e novamente falei com Deus,
dizendo: “Criador, eu sou tua criação. Do barro me formaste e a ti devo
tudo”.
E Deus não respondeu, mas como mil asas velozes ele passou.
E depois de mil anos eu subi a montanha sagrada e falei com Deus novamente, dizendo: “Pai, eu sou teu filho. Com piedade e amor me deste à luz, e através do amor e da adoração herdarei o teu reino”.
E Deus não respondeu e, como a névoa que encobre as colinas
distantes, ele passou.
E depois de mil anos subi a montanha sagrada e novamente falei com Deus, dizendo: “Meu Deus, meu objetivo e minha realização; Eu sou teu ontem e tu és meu amanhã. Eu sou tua raiz na terra e tu és minha flor no céu, e juntos crescemos diante da face do sol.”
Então Deus se inclinou sobre mim, e em meus ouvidos sussurrou palavras de doçura, e assim como o mar que envolve um riacho que desce até ele, ele me envolveu.
E quando desci aos vales e planícies, Deus estava lá
também.
— Khalil Gibran em “O Louco” (1918)
